quarta-feira, 13 de maio de 2009

Levanto-me ...

Desfalecido, completamente derrotado, sem esperança, perdido, sem norte, objectivos fantasmas, sentimento de falha para com aqueles que sempre me apoiaram e deram a cara por mim, sentimento de dívida para com eles... é uma magoa que nos corrói por dentro até ao osso...
O mundo cai aos nossos pés...
Sensação de vazio, de vácuo... tentamos falar e as palavras não saem... rosto molhado, olhos vermelhos e inchados daquele choro..
Regresso a casa, passo a passo, como se aqueles metros fossem os mais difíceis de andar.

Imagino.me gladiador derrotado que foi poupado por misericórdia. Escravo lutador, puro lazer para os demais...
A dor dá lugar à revolta, insaciável vontade de vingança, inconsciente impulso de acção, punhos cerrados, orgulho ferido!
Olho a multidão nos olhos com a minha última das forças, aquela que apenas sustenta o bater do meu coração:

"Voltarei!"


Chego a casa, subo em direcção ao meu quarto, deito-me em cima da cama e adormeço.

As portas da arena fecham-se, enormes grades de ferro impenetráveis, movimento lento... a porta dos escravos... Consigo ouvir gargalhadas, risos histéricos, a chacota...
quebro, cedo, tudo o que eu sou fica à mercê de quem passa..
Surgem silhuetas na sombra, não consigo identificar quem seja, mas são-me tão familiares.. deixo-me cair nos seus braços...

" estou em casa "


Sinto uma mão a ajeitar o meu cabelo ainda molhado, aquele beijo na testa, a presença na penumbra do meu refúgio, o sentar na minha cama e aqueles olhos em mim.
Estou a dormir e eles ali, para mim, demasiado fiéis para desistir, protegem-me enquanto estou frágil, "à mercê de quem passa", afastam fantasmas, limpam feridas, enxugam o meu rosto, porque

"amanhã é um novo dia"

sentado na paragem de autocarro

Há dois anos saí de casa para apanhar o autocarro. Ia demasiado concentrado na paragem destino. Enquanto corria apercebi-me que não trazia as chaves da minha futura casa.
Voltei atrás para as ir buscar. Não as encontrei. Saí sem elas.
Corria cada vez mais nervoso, porque não sabia onde iria ficar quando chegasse ao destino. Estava mesmo para chegar à paragem do autocarro quando me apercebi que tinha esquecido da mochila com a roupa e com os documentos. Voltei atrás, entrei, novamente, em casa, desesperado. Não a encontrei. Voltei a sair sem ela.
Corri em direcção à paragem do autocarro, a da partida. Lembro-me de nem conseguir respirar. Corria com o coração a bater de uma forma estonteante. Corria sozinho, sem mim ao lado.
Ia sem nada nas mão, apenas com o sangue demasiado quente no coração, movido por uma vontade inconsciente, que hoje sinto que é muito mais do que consciente.

Perdi o autocarro...
"não há problema, apanho o próximo", pensei eu.
Sentei-me, esperei pelo próximo, e enquanto esperava, vivia..
Durante um ano fiquei sentado naquela paragem de autocarro.

Passou um ano, menos um dia, desde o dia em que eu havia perdido o meu primeiro autocarro. Acordei com dores nas costas, o meu corpo doía todo, pois tinha passado um ano de noites e um ano de dias naquela paragem. Estava um dia escuro, um vento gelado, as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Faltavam dez minutos para o autocarro chegar. Com um gesto instintivo como que para me certificar se tinha tudo comigo....
Faltavam-me as chaves da minha futura casa, a minha mochila com a roupa e com os meus documentos!!
Voltei à minha casa de todos os dias, a correr. As lágrimas caíam-me do rosto. Era o caos, o completo desespero. Quem me via tentava ajudar-me a encontrar o que só eu sabia onde estava, mas tinha esquecido onde me tinha deixado.
Só pensava que tinha estado um ano à espera daquela oportunidade..
Fechei a porta, saí de casa só com a roupa que tinha no corpo. Corria desmedidamente para aquela paragem de autocarro, sem mochila, sem chaves, mas.... mas desta vez até da vontade eu tinha esquecido.

E quando assim é somos vencidos pelo nosso próprio corpo.

Ajoelhei-me na estrada com os braços no chão. Não conseguia respirar, os meus pulmões gemiam, o meu coração batia a mil à hora. Levantei a cabeça, lá estava ele...
Havia entrado o último passageiro. Queria gritar, levantar-me e correr.. mas estava vencido pelo próprio corpo.
Vi-o a partir pela segunda vez.

Deitei-me na estrada, não houvia nada.. apenas o pôr-do-sol nas montanhas...