terça-feira, 21 de abril de 2009

"minha querida:

.... onde vives os teus mundos?....

Foi há seis anos que nos vimos pela primeira e última vez. Aqueles breves momentos fazem-me viver os mais loucos paradoxos da vida. Imprimem-me um sentimento de submissão intensa, por vezes frustrante, por vezes libertadora, para com loucuras ditas estéreis, sonhos ditos utópicos."

O vento soprava forte. Segurava o bloco com uma mão e com a outra tentava encontrar uma pedaço para escrever entre o rebentar de ondas..

"Deposito toda a minha esperança no tempo e no acaso, nos meus caminhos e escolhas que faço, que ditam o progresso natural da vida.
No entanto, aconteça o que acontecer, há sempre algo que me faz lembrar de ti. Por mais distante o caminho que tomo, acaba sempre por revelar um sinal teu. Torna-se irónico e inevitavelmente inexplicável. Fico horas à procura de uma efémera explicação, que torne lógico e minimamente encaixantes, todos estes devaneios..
Vem a vida, mais uma vez!
Absolutamente impressionante e ao mesmo tempo altamente aliciante a capacidade que tem de ser imprevisível. A rapidez com que se alteram factos, lugares, pessoas, cheiros, emoções, hábitos e ao mesmo tempo a imutabilidade de sentimentos que por vezes nos puxam e levam de novo ao passado. A capacidade que tem de fazer viver e reviver em simultâneo.
Faço de nós um mito, confiando no nada que é tudo, a oportunidade de excepção à regra.
Fujo, tão selvaticamente como natural é, daquele comodismo amorfo que nasce quando a saudade aperta.
Pois se um dia nos reencontrarmos, foi porque vivemos e não parámos no tempo...



com amor.."







quinta-feira, 16 de abril de 2009

uma carta para ela

Percorri quilómetros desde que a vi pela primeira vez. Percorri seis anos de quilómetros sem parar, sem me escutar. O barulho do motor do meu jipe, esse sim, companheiro de todas as horas, melodia por vezes, noutras, o desespero.
Estou na costa portuguesa. O céu está escuro, à minha frente uma estrada rectilínea sem fim à vista; começa a chover.
Não consigo sintonizar qualquer estação de rádio, aquele barulho "areia" nem me perturba. Por vezes identifico-me tanto com ele.
Os olhos dela estão de novo na minha mente. Aquele sorriso.. Perco-me nos traços suaves do seu corpo; a pele beijada pelo sol, morena; os cabelos castanhos, compridos e encaracolados.. O meu olhar estende-se e aventura-se para lá do que é a realidade. Os traços do meu rosto, dotados daquela rigidez hipnotizante de uma viagem sem paragens, começam a suavizar e os lábios esboçam um sorriso como que timidamente inconsciente.
O meu pé cai pesado no travão, e o jipe desliza na estrada. Paro!
Paro pela primeira vez em seis anos e olho as mesmas coisas que sempre vi, mas hoje, hoje tudo me parece diferente.
Abro a porta do jipe e saio para o exterior. Nem a camisola de lã que trago vestida consegue disfarçar o frio que está. As calças de ganga colam-se às minhas pernas com o vento. Começo a andar e a porta do jipe fecha-se sozinha. Olho à minha volta e nem vivalma.
Pela primeira vez em seis anos ouço e consigo escutar o silêncio na sua essência.. Um silêncio que teima em fazer-se ouvir pelo rebentar impetuoso das ondas do mar à minha esquerda, pelo barulho do vento ao embater nos pinheiros, à minha direita..
Vou em direcção ao mar e dele não consigo arrastar os olhos. É como se estivesse enfeitiçado. Não ouço nada e no entanto ouço tudo..
Sento-me na areia.
Saco de um bloco de notas que trago no bolso e de um lápis.
Começo a escrever-lhe a carta de uma vida...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

um dia devíamos parar e reflectir






é difícil ser-se simples




sábado, 11 de abril de 2009

Está uma bela noite de lua cheia. O céu está limpo e todas as estrelas brilham, como que cantando luz. Está-se bem cá fora, não há brisa que arrepie os pêlos dos braços.
Olho o céu calmamente. Não penso em nada. Olho apenas. Sentindo a luz celeste em mim, quase me aquece...
Estás aqui também, sentado ao meu lado, consigo ver-te pelo canto do olho. Não dizes nada, apenas olhas o céu como eu, com um sorriso nos lábios.
A tua presença emana paz, deixa-me serena... É como se estarmos aqui estivesse escrito há já muito tempo. Como se nos conhecêssemos desde sempre. E, com essa certeza, olhamos um para o outro e começamos a conversar. Falamos, falamos... Durante horas... Do que vemos, do que sentimos, do que queremos, do que ambicionamos, do que nos faz rir, do que nos faz chorar, do que gostamos, do que fizemos, do que odiamos, do que amamos... Sobretudo do que amamos...
As vozes calam-se, e o céu ainda veste a noite; a lua ainda brilha redonda, as estrelas ainda cantam... Parece que o tempo parou desde que nos encontrámos neste lugar. Como se o mundo ganhasse sentido por estarmos aqui agora; uma calma harmonia. Basta um sorriso e compreendemo-nos completamente; sei que sim. Olhamos o céu de novo, calados.
Os pontinhos brancos parecem dançar, como que querendo dizer alguma coisa... Mas não entendemos o quê. Talvez não seja suposto sabermos certas coisas de antemão, mas sim deixar correr a brisa pelos nossos cabelos e ir descobrindo os desígnios do mundo a seu tempo... Não há pressa...

A lua esconde-se timidamente atrás de um prédio, as estrelas ficam silenciosas e mal se vêem, por causa das luzes na rua. Estou em casa, no meu apartamento e tu, claro, não estás aqui. Estás longe, entre as montanhas, a viver a tua vida, como eu vivo a minha.
Mas vejo-te pelo canto do olho, sempre. Tão longe, mas tão perto. De certeza a olhar o céu nocturno, como eu, com um sorriso nos lábios. Porque, no fundo, nunca saímos daquele lugar onde nos encontrámos... Onde os astros brilham e o mundo faz sentido.


da tua sempre amiga, Joana Gato