quinta-feira, 16 de abril de 2009

uma carta para ela

Percorri quilómetros desde que a vi pela primeira vez. Percorri seis anos de quilómetros sem parar, sem me escutar. O barulho do motor do meu jipe, esse sim, companheiro de todas as horas, melodia por vezes, noutras, o desespero.
Estou na costa portuguesa. O céu está escuro, à minha frente uma estrada rectilínea sem fim à vista; começa a chover.
Não consigo sintonizar qualquer estação de rádio, aquele barulho "areia" nem me perturba. Por vezes identifico-me tanto com ele.
Os olhos dela estão de novo na minha mente. Aquele sorriso.. Perco-me nos traços suaves do seu corpo; a pele beijada pelo sol, morena; os cabelos castanhos, compridos e encaracolados.. O meu olhar estende-se e aventura-se para lá do que é a realidade. Os traços do meu rosto, dotados daquela rigidez hipnotizante de uma viagem sem paragens, começam a suavizar e os lábios esboçam um sorriso como que timidamente inconsciente.
O meu pé cai pesado no travão, e o jipe desliza na estrada. Paro!
Paro pela primeira vez em seis anos e olho as mesmas coisas que sempre vi, mas hoje, hoje tudo me parece diferente.
Abro a porta do jipe e saio para o exterior. Nem a camisola de lã que trago vestida consegue disfarçar o frio que está. As calças de ganga colam-se às minhas pernas com o vento. Começo a andar e a porta do jipe fecha-se sozinha. Olho à minha volta e nem vivalma.
Pela primeira vez em seis anos ouço e consigo escutar o silêncio na sua essência.. Um silêncio que teima em fazer-se ouvir pelo rebentar impetuoso das ondas do mar à minha esquerda, pelo barulho do vento ao embater nos pinheiros, à minha direita..
Vou em direcção ao mar e dele não consigo arrastar os olhos. É como se estivesse enfeitiçado. Não ouço nada e no entanto ouço tudo..
Sento-me na areia.
Saco de um bloco de notas que trago no bolso e de um lápis.
Começo a escrever-lhe a carta de uma vida...